O que é livro raro?
Aquele que é assim designado por ser detentor de alguma particularidade especial (antiguidade, autor célebre, conteúdo polémico, papel, ilustrações, etc.); consideram-se geralmente livros raros os incunábulos, as publicações anteriores a 1800, as primeiras edições de obras literárias, científicas e artísticas, as obras com encadernações primorosas, as obras que pertenceram a personalidades célebres e que apresentam a sua assinatura ou notas e sobretudo os exemplares únicos. Livro precioso. Reservado. Livro reservado. Obra rara. Cimélio. Tesouro. Livro que se destina apenas aos curiosos. (FARIA; PERICÃO, 2008, p. 781)
Livro que, pelas características da edição, existência de autógrafo do autor ou alguma razão especial, é considerado valioso. No comércio antiquário existe uma classificação informal para os diversos níveis de raridade de uma obra, a saber: a) escasso: quando a obra aparece no mercado livreiro uma vez por ano; b) raro: quando é ofertado no comércio a cada dez anos; c) muito raro: quando chama a atenção do especialista durante poucas vezes em sua vida; d) único: quando não se sabe da existência de outro exemplar. (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 234)
Não há definição para livro raro. Há definição para livro e há definição para raro, mas para “livro raro” não há. Para definir livro raro, é necessário elencar as características, particularidades, singularidades apresentadas por uma obra.
Livros podem ser ou tornar-se raros por uma série de fatores e circunstâncias. O adjetivo “raro”, no entanto, definido pelos dicionários como “incomum”, “extraordinário”, “escasso”, “pouco usual ou pouco frequente”, aponta a principal qualidade que um livro deverá apresentar para assim ser classificado: uma ou mais características que o tornam excepcional em relação aos demais.
O conceito de raridade bibliográfica tem estreita relação com a prática do colecionismo, tendo surgido no século XVII, no contexto da Bibliofilia e da Bibliografia. Entre os séculos XVI e XVII expandiram-se os grupos de colecionadores, com a valorização dos objetos antigos, dentre os quais evidencia-se o livro. Como resultado desse processo, surgem especialistas na área: bibliógrafos, bibliófilos, colecionadores, apreciadores e comerciantes de livros raros, que passaram a utilizar um vocabulário comum. Nos catálogos de livrarias, sebos e antiquários, surge a expressão “livro raro”, como um elemento qualificador de um conjunto de exemplares que apresentam determinadas características que, obviamente, ampliam seu valor de mercado.
Diferentes fatores podem contribuir para tornar um livro raro: desde as técnicas e materiais empregados na sua manufatura, passando pelas marcas incorporadas ao exemplar, como marcas de posse e propriedade, até o contexto social, histórico e cultural de sua criação. Não existem, no entanto, fórmulas mágicas para a determinação de raridade. Neste sentido, o estabelecimento de uma política de tratamento de coleções especiais e obras raras, elencando critérios de raridade, torna-se fundamental para o auxílio ao bibliotecário que irá trabalhar com este tipo de material.
Como um livro se torna raro?
Livros podem se tornar raros por diferentes razões e circunstâncias, como por exemplo: a) por seu conteúdo: primeiros relatos de invenções e descobertas científicas, primeiras edições de importantes obras literárias ou históricas; b) por suas características físicas: encadernações luxuosas contendo ouro e pedras preciosas, presença de anotações manuscritas de pessoa ilustre, livros ilustrados que dão uma nova interpretação de um texto ou da obra de um artista de renome.
Observe o que ocorreu com o livro Harry Potter and the philosopher’s stone (Harry Potter e a pedra filosofal), de J. K. Rowling:
J. K. Rowling ganhou imensa popularidade, a aclamação da crítica e o sucesso mundial através da série Harry Potter. Passados vários anos desde o lançamento da primeira edição do primeiro livro da série, as primeiras edições rapidamente se tornaram colecionáveis e, sem a menor sombra de dúvida, o livro mais importante é o primeiro: Harry Potter and the philosopher’s stone [Harry Potter e a pedra filosofal], publicado em 30 de junho de 1997 pela Bloomsbury, em Londres.
Mas para que o exemplar tenha qualquer valor real de mercado, é necessário que se trate de uma cópia da primeira impressão da primeira edição, o que significa o primeiro lote de livros impressos, dos quais havia apenas alguns poucos milhares. Reimpressões de Harry Potter and the philosopher’s stone (e até mesmo as primeiras edições dos demais livros da série) tem valores muito mais baixos, em parte porque muitos mais deles foram reimpressos.
Em primeiro lugar, como são estes livros? A primeira impressão foi encadernada de duas formas diferentes. O mais raro é o que tem de capa dura: somente 500 cópias foram encadernadas dessa forma e 300 delas foram enviadas para bibliotecas. Como os livros das bibliotecas costumam sofrer muito desgaste, sobram apenas 200 exemplares em bom estado potencialmente colecionáveis, e estes raramente aparecem no mercado. A outra encadernação foi feita em brochura, das quais algumas milhares de cópias foram produzidas para venda.
Como saber se a cópia é realmente uma valiosa primeira edição? Para ser uma primeira edição, em capa dura ou brochura, há cinco requisitos muito importantes que o exemplar deverá preencher:
1) O editor deve ser listado como Bloomsbury, na parte inferior da folha de rosto. Veja a imagem abaixo:
2) A última data indicada na informação de copyright deve ser 1997.
3) Na linha de impressão na página do copyright deve-se ler “10 9 8 7 6 5 4 3 2 1”, de dez a um, exatamente. O valor mais baixo na linha de impressão indica a tiragem (se por exemplo a cópia tem “20 19 18 17”, trata-se de uma impressão menos valiosa).
4) Na página 53, na lista de material escolar que Harry recebe a partir de Hogwarts, o item “1 wand” [1 varinha] deve aparecer duas vezes, uma vez no início e outra no final. Este erro foi corrigido na segunda edição do livro.
5) Na contracapa falta um “o” em “Philospher’s Stone”:
Se o livro preenche todos esses requisitos, então se trata de uma primeira edição. Dependendo das condições de conservação do exemplar, ele poderá valer uma boa quantia!!! (PETER HARRINGTON, 2018).
No Brasil, a editora Rocco comprou os direitos de publicação da série. Harry Potter e a pedra filosofal foi lançado oficialmente na Bienal do Livro de São Paulo, em maio de 2000, e ficou no primeiro lugar da lista de mais vendidos da revista Veja por quase três meses, até ser desbancado pelo segundo volume: Harry Potter e a câmara secreta.
As edições brasileiras da série Harry Potter dificilmente serão consideradas raras devido ao grande número de exemplares impressos a cada tiragem. Infelizmente, a não ser que o exemplar que você tem em mãos esteja autografado por J. K. Rowling, não será considerado raro (ao menos por enquanto).
O que são coleções especiais?
Algumas bibliotecas separam da coleção geral livros raros, manuscritos, papéis e outros itens que são (1) de uma determinada forma, (2) sobre um determinado assunto, (3) de um determinado período de tempo ou área geográfica, (4) em condições frágeis ou ruins, ou (5) especialmente valiosos. Esses materiais geralmente não estão autorizados a circular e o acesso a eles pode ser restrito. (REITZ, 2004, p. 672)
O termo coleções especiais se refere a uma coleção ou coleções de materiais como incunábulos, livros raros, livros impressos, manuscritos, registros e materiais de arquivo, coisas efêmeras, fotografias, gravuras, mapas e outras obras gráficas; material audiovisual em todos os formatos; mídia digital nascida e digitalizada; objetos de arte e objetos tridimensionais (3-D) considerados insubstituíveis ou considerados incomumente raros e inestimáveis. Os critérios de seleção para esses materiais são comparáveis aos usados para livros raros. As coleções especiais são geralmente administradas separadamente das coleções gerais da biblioteca porque suas necessidades de preservação e os métodos de fornecer acesso são diferentes das coleções de livros em circulação que constituem a maioria dos acervos da biblioteca. As coleções especiais costumam ser armazenadas em locais seguros e ambientalmente controlados. (IFLA, 2020, p. 5)
Em síntese, coleções especiais são conjuntos de materiais que apresentam características comuns, tais como livros de valor histórico, coleções em um suporte específico (cartões-postais, partituras, fotografias, mapas históricos), coleções de livros raros, acervos (bibliotecas) que pertenceram a personalidades importantes, coleções de memória institucional, entre outros.
São exemplos de coleções especiais: Coleção Brasiliana (presente em diversas bibliotecas e instituições); Coleção memória institucional (presente em diversas bibliotecas e instituições); Coleção Sergio Buarque de Holanda (acervo pertencente à Universidade Estadual de Campinas – Unicamp); Coleção Especial Laudelino Teixeira de Medeiros (acervo pertencente à Universidade de Caxias do Sul – UCS).
Todos os livros antigos são valiosos ou raros?
Um livro não é valioso porque é antigo e, provavelmente, raro. Existem milhões de livros antigos que nada valem porque não interessam a ninguém. Toda biblioteca pública está cheia de livros antigos, que, se fossem postos à venda, não valeriam mais que o seu peso como papel velho. O valor de um livro nada tem a ver com a sua idade. A procura é que torna um livro valioso. (MORAES, 2005, p. 67)
A antiguidade por si só não é suficiente para tornar um livro valioso. A importância do texto, as condições do exemplar e a demanda pela obra determinarão o valor de um livro antigo. No entanto, algumas categorias de livros antigos são geralmente mais procuradas, incluindo: a) todos os livros impressos antes de 1501; b) os livros ingleses impressos antes de 1641; c) os livros impressos nas Américas antes de 1801; d) os livros impressos no oeste do Mississipi antes de 1850 (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION, 2005); e) os livros brasileiros impressos no período da Impressão Régia (1808-1822), podendo-se estender esse período até 1860, devido à demora com que se desenvolveu a imprensa em certas regiões do Brasil (no Rio Grande do Sul, por exemplo, a história da imprensa tem início em 1827, quando surgiu o primeiro periódico gaúcho: o Diário de Porto Alegre); f) as primeiras impressões de autores locais e regionais.
Assinaturas, marcas de propriedade, autógrafos e dedicatórias aumentam o valor de um livro?
Geralmente, sim. Se o antigo proprietário é ou foi uma pessoa famosa ou importante para alguma área do conhecimento, o livro tende a ter seu valor comercial ampliado. Da mesma forma, autógrafos, inscrições ou dedicatórias, ex-líbris, carimbos ou outras marcas distintivas comprovadamente autênticas também contribuem para tornar um livro raro. No entanto, autores contemporâneos costumam assinar muitas cópias de seus livros em eventos organizados para promover a venda de suas obras (lançamentos, feiras do livro etc.). Por serem comuns nos dias de hoje, os autógrafos, normalmente, acrescentam pouco valor ao livro. Sendo assim, muitas vezes é necessário consultar um especialista com amplo conhecimento do mercado livreiro para avaliar um exemplar assinado (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION, 2005).
Como manter meus livros em bom estado de conservação?
Os livros sofrem interferência de uma série de fatores, tais como a luz e as variações de temperatura e umidade. O ideal é guardá-los em local fresco e confortável, num ambiente seco e estável, com iluminação baixa ou indireta – evite guardar seus livros em lugares onde eles serão expostos à luz solar direta. Não enrole livros em jornal ou plástico, nem armazene-os em caixas de papelão. O ácido do papelão ou do jornal irá danificar os livros. Sacos plásticos restringem a circulação de ar, podendo promover o crescimento de mofo ou bolor. Caso queira guardá-los em caixas, confeccione-as sob medida, utilizando papel alcalino ou mesmo forrando-as com papel alcalino (de maneira que o papelão não entre em contato direto com o livro que está sendo guardado). Livros de grande porte, como atlas, jornais encadernados ou folhetos de arte, poderão ser guardados na horizontal. Nunca use fita adesiva para reparar páginas soltas ou rasgadas, pois com o tempo a cola da fita, que é ácida, deixará resíduos e tornará o papel amarelado. Sem contar que determinadas colas são, ainda, atrativas para baratas e ratos. (AMERICAN LIBRARY ASSOCIATION, 2005)
Posso encadernar meus livros raros?
A encadernação tende a diminuir o valor de mercado de alguns livros. Conservadores, muitas vezes, recomendam uma abordagem menos drástica, como uma boa higienização e o armazenamento da obra em caixas ou embalagens confeccionadas sob medida, utilizando materiais que não agridem o livro (papeis alcalinos de boa qualidade). Essas medidas alternativas poderão ajudar a preservar o item em sua forma original.
Referências
CUNHA, Murilo Bastos; CAVALCANTI, Cordélia Robalinho de Oliveira. Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 2008.
IFLA. Diretrizes sobre competências do profissional responsável por livros raros e coleções especiais. Den Haag: IFLA, c2020.
FARIA, Maria Isabel.; PERICÃO, Maria da Graça. Dicionário do livro : da escrita ao livro electrónico. Coimbra: Almedina, 2008.
MORAES, Rubens Borba de. O bibliófilo aprendiz. 4. ed. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 2005.
PETER HARRINGTON. Is my Harry Potter book valuable? How to tell if your copy is a first edition. London: [s. n.], 2018.
REITZ, Joan M. Dictionary for Library and Information Science. Westport: Libraries Unlimited, 2004.